Mas eu gosto


Aquele projeto antigo, lembra, que eu queria tanto que desse certo? Rolou a semana passada. 
Fiquei mal da rinite, faltei no trabalho. Já sei, é o pelo do cachorro! Adoro abraçar ele, você sabe. 
Perdi minha melhor amiga, chorei a noite toda. Pensei em morrer.
É, aqueles pensamentos de novo. 
Comprei um vestido dos sonhos, emagreci cinco quilos, aprendi a meditar e a fazer café. 
Fui àquela festa de lançamento que nunca recebia convite, ganhei uma grana com aquele texto. 
Andei mais de mil quilômetros no mesmo dia. Perdi o medo de dirigir à noite e até gostei. 
Gostei! Acredita?
As luzes passando, a lua na estrada, o escuro, rádio ligado, sensação de liberdade. 
Comprei uma mala nova; não é muito grande. Deixei por perto, pra quando precisar. 
Ainda não achei meu fusca. Tá difícil. Não se encontra nenhum azul à venda nessa cidade!
Dei uma olhada em preço de passagem, pesquisei comunidades alternativas. 
Há tempos não bebia, mas tomei um porre. Minha cabeça ainda dói. 
Vinho sempre me deixou mal. 
Lembrei da sua cara de desdém quando abri a garrafa. Da sua boca me recriminando, seus olhos de decepção. 
Acendi um cigarro. 
Você também não gostava quando fumava, lembra? 
Você não gostava de tanta coisa, né? 
Reclamava, dizia que era por mim. Mas bebia, ah, você podia. E eu achava que fosse cuidado. 
Outra dose, outro gole. 
Outra garrafa, outro cigarro. 
Outro texto, outra madrugada vazia. 
Outra tela em branco. 
Você não gosta, é verdade. 
Mas eu gosto.