Hoje é mais um dia. Um dia comum, como qualquer outro, como tantos, que passa lentamente ou rapidamente nos nossos relógios. E não importa o que você faça, o que queira esquecer, o que queira guardar, ele vai passar. Vai ficar na folhinha do tempo, na agenda desatualizada, no dia que se foi e ninguém lembra do clima, das notícias, da roupa que vestia. O passado fica tão lá atrás que impede a aceitação das nossas rugas. O ontem parece tão próximo que nem ao menos o damos o devido valor.
Não sou ansiosa. Não fico pensando no futuro, fazendo planos ou sofrendo medos. Penso no passado. Analiso as ações. Gosto do gosto do entendimento, ainda que seja póstumo. E hoje tantas coisas são póstumas.
Póstumas até de mim, que morri e renasci inúmeras vezes. De definitivo só tenho o nome, e um amor.
Mas isso não é sobre mim também. É sobre o barulho quase imperceptível que ouço dos ponteiros. Sobre a calça jeans de anos atrás que vesti hoje e me levou para um dia feliz. Sobre a música que tocou no carro e me revi na pista bêbada. Ou sobre o cheiro de café que me trouxe de volta a infância. Os atrasos na escola, o Jornal da Manhã que meu pai ouvia antes de ir ao trabalho. Aquela amiga do quintal de caquinhos que não sei por onde anda, aquele menino que queria tanto dar o primeiro beijo, aquele professor de natação que me fazia suspirar, aquele senhor que me apresentou o Pink Floyd. E muito embora todos eles tenham ido, ainda estão aqui, empilhados, lado a lado, organizados em fileiras dentro das minhas lembranças. Alguns em destaque, outros nem tanto.
Importante é entender por que a gente se recusa a colocar nesse espaço algumas pessoas e lembranças, empoeirando nossas vidas e deixando com que o mofo tome o lugar do novo. Sempre chega a hora de ajeitar a bagunça, trancar a porta e sair. Essa hora, por que não, é agora.