Canita


Encarnacion era o nome dela. Meu avô a chamava de Canita, minha mãe de Mãe, minha tia de Bierra, e a gente de Vó.
Pele branquinha, olhos azuis, cabelo grisalho, vestido florido, e mãos de fada que faziam bolinhos de pinga como ninguém. Escutava a Ave Maria todos os dias às seis da tarde, enquanto jantava com meu avô na cozinha de móveis azuis.
Cresci no quintal de caquinhos vermelhos e tomei muitas sopas de leite com pão ouvindo o jogo do São Paulo pelo rádio.
O tempo foi passando, todos nós envelhecendo, deixando para trás as sopas, o quintal, o colo.
Seguimos nossas vidas, mas sempre trazemos o conforto gostoso de ter os avós por perto, a alguns metros de distância.
Hoje, no entanto, essa distância - ampliada a 10 mil quilômetros - me impede da despedida. Aquele adeus doído, apesar de esperado pelos 93 anos vividos, se transforma em lembrança e oração.
Nossa espanhola foi embora. Certamente encontrou um Antônio feliz e cheio de saudade.
À nós resta a falta, a herança do que somos, e a certeza de que a luz não se apaga, mas reacende em mais uma estrela que agora brilha no escuro do céu.