De todos substantivos, o que mais me aproxima do meu pai é humanidade. Não falo de bondade, apesar de também a ter. Falo do que o faz humano, complexo, cheio de erros e acertos.
Falo da humanidade de um homem que começou cedo, foi marido, pai cedo, e teve que lidar com os ganhos e perdas da vida, ascensões, quedas, conquistas e frustrações.
Sua humanidade, hoje, é o que nos faz iguais. Suas dúvidas, sempre inquietas dentro de si, trago como herança. Sua rigidez consigo, com os outros, suas cobranças, seu modo de não saber lidar com o contraste que existe em si.
Somos, eu e ele, tão parecidos que nos repelimos. Nos encontramos quando cansamos de nos armar. Paz - a distância tem dessas coisas.
Ele não é meu herói, é meu anti-herói. Não é só lado bom, mas é de verdade, sem capas, uniformes e fantasias.
Trago suas frases.
"Amigo meu é dinheiro"
"Nega até morrer"
"Quem aos porcos se junta, farelo come"
"Direito de um é direito de todos"
Como esses ensinamentos politicamente incorretos já me reergueram! Quanto são reais, embora um pouco tristes. E quanto o último sempre foi minha bandeira. Direitos - sempre lutei pelos meus, que por sua vez sempre encontraram barreiras nos limites que ele me colocava. Descobri com meu pai minhas reivindicações, sofri retaliações em enfrentar o poder de quem nos coloca no mundo, me fortalecendo como revolucionária, ainda que tenha sido preciso tantas brigas para chegar até aqui.
Sei que já o decepcionei muito. Bem como, sei que as palavras duras que já me disse ainda, inconscientemente, martelam minha autoestima. Mas hoje, depois de tantos anos, tanta coisa, consigo o enxergar de longe e perceber o quanto ele quis acertar com a gente. E acertou; muito.
Somos patinhos que o seguiram, andando sem muito equilíbrio, mas juntos. Sempre, e invariavelmente juntos.
Ele, assim como minha mãe, me ensinou a ser forte. A engolir o choro e ir.
Me ensinou que carinho também é cuidado. Que cuidado nem sempre é doce, mas é o que mais precisamos. Me ensinou que os anos nos faz mais moles, que honestidade é o que nos faz ter orgulho, e que dinheiro só é bom para nos trazer comida boa e família reunida.
Amo meu pai. Sei que ele me ama. Nunca fomos muito de dizer isso, até que fiquei longe. Mas, no fundo, sempre dissemos quando estivemos lado a lado na mesa do jantar.
O amor se faz nas pequenas coisas, não só nas palavras. É que sou melhor com elas, então escrevo. Que sejam livres, como ele me ensinou ser.