Cicatrização


Corte. Pequeno corte profundo que sangra, sangra, e não estanca. Pedaço de carne aberta, sem sutura, ardendo na pele. E ela dói tanto que não se deixa esquecer. 
Parede de azulejos brancos com janela bege descascada. Cama de ferro, colchão fino, cobertor. Piso frio, ar úmido. 
No canto do quarto, encolhida, Ana olha pra perna. Tantas marcas. Não chora, não pensa, não lamenta. Pega o canivete e se corta. Cura a dor com outra. Perdeu as contas dos cortes.
A loucura é fração de sanidade. Sanidade curta, torpe. 
Entre a luz e a sombra daquele chão, encontra a redenção. Ninguém se importa. 
Cedo aprendeu a se virar. Cedo aprendeu que não pode contar. Cedo, tão cedo, foi internada por não poder suportar. 
Não sabia descrever o aperto que sentia, nem a dor que sufocava sua respiração. 
Através dos cortes, procurava seu próprio perdão.