Cara, tira a porra da mão do meu ombro! - era tudo que eu conseguia pensar naquela mesa de bar cheirando a cerveja.
Mulher sozinha em boteco está à procura de homem, pensam os boçais. Mas não, é óbvio que não procurava nada, além de paz.
Paz engarrafada. Vendida aos litros, doses ou comprimidos. Eu consumo todas, ajudam a me organizar.
Contraditório alguém ter TOC de organização e mal conseguir priorizar os pensamentos. Danados, voam livres ainda que tente me concentrar. E eu tento, juro que tento.
Dias ansiosos então, esquece. A invalidez chega do meu cérebro à pontas dos meus dedos em segundos. Semanas, meses. Fardo de quem não faz outra coisa da vida além de vender inspiração. Claro, quando aparece alguma.
Eu viajo. Disso sobrevivo como escritora. Disso também me martela a inconstância.
Impregno em frases e pessoas, espécie de fada madrinha de homens travados.
É, eu era isso com ele. Eu sou, sei lá.
Atraio gente doida como lixo atrai bicho. Vai ver a doida sou eu.
Não importa, eu estava lá. Mais uma vez arrasada, embriagada, largada. Não, largada não. Orgulhosa demais pra me deixar largar, dou o pé antes, depois choro. Azar o dele.
Me achava uma puta mulher. E quer saber, eu sou.
Faço tudo que tiver de fazer. Se não souber, descubro no Google.
Me viro em mil, ouço, falo, argumento. Só não pede pra fazer equação.
Era a fada dele. Não a do dente, mas sempre presente. Se bobear, lia até pensamento.
Ele não. Não entendia, não falava. Quase não existia. E eu ali, o inventando todos os dias.
Fui inventando tanto que desaprendi a enxergá-lo. Me negava a ver que era um bosta. Meu príncipe encantado não passava de um frouxo.
E a gente podia ter sido tanto. Deixa pra lá.
A cerveja esquentando e eu fria como comida requentada. Acho que esfriava cada vez que me decepcionava - e era semanal.
Enquanto isso, o cara da mesa ao lado, o colega da mão no ombro, não parava de me olhar. Tem gente que só consegue ver bunda.
Preguiça.
Peço uma garrafa de vodka, pago a conta e desço a Augusta.
Eu e meu amor transparente.