Um pouco dela


Inverno de 2060

As ruas nessa época do ano ficavam tão brancas que era impossível enxergar alguma coisa além de neve e árvores cobertas. 
Do último andar de um pequeno prédio, a fumaça do café embaçava a janela. 
Xícara pintada à mão, pires, colher, raspas de limão. 
Ao lado, livros empilhados. 
Não costumava sair, ainda mais em dias frios como aquele. Vinte graus negativos lá fora.
Dentro, o aquecedor mantinha a temperatura. Melhor assim.
No tapete, o cachorro roía o osso novo. Tudo igual.
Por vezes, as lembranças a deixavam ansiosa.
Antes, tomaria um vinho. Mas, nessa altura do campeonato, melhor café.
Dedos pequenos, finos e marcados pela idade conduziam a xícara até a boca enquanto pensava. Passado, quem não tem?
Deixara para traz muitas coisas, que preferia não contar. Para tanto, passava a maior parte do tempo sozinha.
Poucos amigos em uma cidade isolada. 
Quarenta e cinco anos se passaram.
Poucas palavras com vizinhos e o ar de mistério ainda cercava seus olhos. 
Pouco dela se sabia.
Professora de literatura, ia para escola de bicicleta amarela. 
O que acontecera ninguém desconfiava. O coração atrofiara.