Desistir

Garoava forte. A água escorria ainda limpa pela calçada de concreto. 
Árvores sem folhas enfeitavam a praça. Nenhuma criança jogando bola. 
O frio duplicava a cada bater do vento, castigando a pele e cortando os lábios. 
As pontas dos dedos enrijeciam e as articulações avermelhavam-se. O rosto estava corado. 
De tanto caminhar, as pernas quase não obedeciam. Os pés e os joelhos doíam. 
O peito ardia.
Pensamentos, pensamentos. Há dias não fazia outra coisa senão pensar. Demasiadamente forte era sua obsessão pela análise. 
Não conseguia entender. E era isso, só isso, o que a machucava. 
Não havia gente capaz de tocar o intocável que sempre de todos escondeu. Talvez aquele a quem um dia... Não, também não. Mostrou-se outro. 
Não havia, portanto, sequer, gente capaz de medir ou compreender o tamanho de tudo que a cercava. Envolta no conformismo da impotência, fez-se fato o que temia. 
Gotas vermelhas manchavam seu casaco. 
Os pés, enfim, descansavam. 
No meio do asfalto o que se via, ali, naquele dia frio de outono, era um corpo estendido no chão.