Último dia - descobrir


Último dia da segunda década de vida. Último dia de Inferno Astral, de Retorno de Saturno.
Último dia - teoricamente - da fase de menina. 
Marca, passagem, rito.
Quando fiz vinte anos eu ainda estava na faculdade. Ainda namorava o primeiro namorado, ainda acreditava que a maçã tinha sido responsável pelo pecado, que esse pecado era o sexo e que, portanto, eu deveria pagar a dívida da Eva. Quando fiz vinte anos eu achava que aos trinta estaria velha, mas que ainda passaria as madrugadas em claro para não perder uma só balada - típico sonho de uma menina regrada.
Quanta mudança!
Aos - quase - trinta, a faculdade faz parte do passado. Meu namoradinho também. Depois dele vieram outros sorrisos, outros choros, outras cartas, outras fotografias rasgadas. Descobri que a maçã não está na bíblia - lá só consta "fruto" - e que o pecado não é o sexo, mas a desobediência à Deus. Não estou, ou não me sinto velha e, sem nenhum remorso, troco várias noites de balada por um bom vinho, uma boa companhia. 
Aos trinta descobri que ao contrário do que eu esperava, não existe o homem certo. Nem o certo.
Que certo mesmo é fazer o que se tem vontade, é ser o que se é de verdade.
Certo é não ostentar, não envaidecer, não sustentar ego, não pirar.
Último dia antes da terceira década e eu aqui, sentada no sofá. Jogo do São Paulo na tv, cabelo molhado, saudade apertada da mãe. Já não sou mais a menina que brigava com os meninos na escola nem a que, curiosa, perguntava demais. Já não bebo como antes, já não me coloco à prova, não me deixo escapar. 
Troquei a impulsividade pela personalidade e é nela que detalho cada passo.
Troquei a utopia pelos planos que refaço porque descobri que nada é imutável.
Nesses vinte e poucos anos que enterro hoje, dando boas vindas aos trinta novo em folha, liberta-me saber que posso mudar, e mudar, e mudar, sem culpa. 
Que posso pensar diferente, posso me arrepender, refazer, suspender. Posso quebrar a cara sem morrer, me decepcionar sem esperar. 
Posso porque nada é eterno, nada é engessado e nada, absolutamente nada, é sempre falado.
Descobri, então, depois de muito agradar e pesar, acima de tudo, que o melhor é exatamente isso: descobrir.