Como um dia comum


Teoricamente uma dose de uísque bastava pra se acalmar. Voltou do médico com vontade de tomar uma garrafa. 
Era assim que costumava se sentir quando humilhada por tanto exame, tinha o corpo e a alma invadidos.
Não entendia pra que ter que pesquisar o que não tinha mais jeito. 
E era sempre a mesma sensação. Quanto mais ouvia diagnósticos, mais tinha certeza de não ter certeza do que tinha.
Engoliu o choro e foi pra casa tentando se concentrar em tudo, menos às mãos formigantes.
Deixou a bolsa, pegou o litro. Lembrou dos avisos.
_Não posso beber. Balela!, disse enquanto enchia o copo.
Desistiu e o esvaziou na pia. Tinha prometido que não ia mais beber e costumava cumprir suas promessas.
Essa noite teria que lidar com tudo assim, a seco. 
Via aos poucos a vida escorrendo-lhe entre os dedos justo na fase que tinha tudo para ser a melhor. 
Não estava feliz em descobrir tanta coisa justo agora.
Justo, justiça – palavras presas em um vocabulário que ecoava em sua mente.
Há anos sabia que guardava dentro de sua cabeça uma caixinha de surpresas.
_Você pode estar bem e de repente... 
Sempre a mesma frase dos médicos, então, pra que médicos?
Desde que resolvera se cuidar sozinha, com terapias naturais, exibia êxito. E seria assim até não se sabe quando.
Ele a apoiava desde sempre, apesar de nunca ter aceito o que cansaram de lhe dizer. Era a maneira dele, e ela respeitava sua reação.
Muita gente ainda não sabia o que se passava, nem precisava saber. Ela queria que tudo acontecesse assim, como um dia comum.
Não era o fim, era um recomeço. Uma pausa, talvez, para que pudessem explicar o que não tinha explicação.