É como se de repente, de uma hora para outra como um relógio que pára de funcionar, tudo deixasse de fazer sentido.
Você acorda de manhã atrasada, veste uma roupa que não gosta, toma um café num gole e reza para o ônibus não estar cheio, não ter trânsito.
Você reza para que o dia passe logo, para que volte pra casa, mas quando volta não é mais dia.
E então, noite alta, você sai pelas ruas à caminho de casa e só encontra zumbi.
Pessoas que mal se cumprimentam passam por você como o coelho da Alice no país das maravilhas – correndo, sempre correndo.
Mas, diferente da Alice, nosso país das maravilhas não é tão colorido assim. E se for também, não temos tempo para reparar.
Alguém viu o ninho de passarinho novo que foi feito na árvore em frente de casa?
Notícias da China chegam até você, mas você não tem noção do que acontece no seu próprio bairro.
As taxas de juros, os homens mais ricos do mundo, os casacos que são a tendência no inverno.
Ninguém se pergunta o que – realmente – gosta. Vamos marchando, marchando.
E aquela menina tão cheia de personalidade, cheia de estilo, com brilho nos olhos e sorriso fácil, foi ficando cinza, ficando fútil.
Pinta as unhas toda semana, mas não cabe mais dentro do potinho cheio de sonhos que construía quando criança.
Se lembrar o que queria ser vai ver que não foi o que queria, foi o que dava mais dinheiro.
Vive em rede social mostrando pros outros aquilo que tenta mostrar para si, tentando se convencer.
O que ninguém percebe é que a pilha já não carrega mais. A bateria está arriando.
Ninguém percebe, mas o espelho vê.
O espelho sente o que é para ser sentido, sem cascas.
No espelho a gente vê o que é de verdade – e o meu já não corresponde mais.