Fecho a porta, ligo o rádio. Bachiana nº5.
Fecho os olhos.
(...)
Volto aos cinco anos de idade. Menina baixinha, pele clara, cabelo castanho comprido, olhos verdes curiosos, falante e alegre.
Volto à sala, mesma sala. À tv.
_Mãe, quando crescer quero ser bailarina!
_Bailarina? Por que?
_Porque elas são perfeitas!
Volto aos anos seguintes. Ensaios, pirouette, relevé.
Meia ponta.
Coluna ereta, panturrilha rígida, piano deslizando no pensamento.
Pego o vestido da peça; pedaço de tecido envelhecido.
Aquela menina tão nova não sabia que até ela, a perfeita bailarina, sentia dor.
Desistência.
Volto ao brilho desgastado de ouvidos atentos. Às sapatilhas deixadas de lado, às noites em claro, ao diário escrito à mão.
(...)
Abro o armário, pego o diário empoeirado.
17 de junho de 1999
Sinto como se meus pés enferrujassem ao que deles não posso mais sugar.
Como se minhas asas se quebrassem, já que por elas não consigo mais voar.
Aprisionada em meu corpo, o movimento do som que ouço não me toca mais - e assim, me torno desnuda de toda minha verdade - que faço, refaço, invento e reinvento a cada passo.
Sinto - ou apenas não sinto.
Quinze anos.
Imagens embaralhadas de um ballet que jamais saiu da minha memória dividem espaço com as linhas que minhas mãos aprenderam a tecer na falha de meus pés.
Sonho de perfeição inexistente que buscando o ritmo certo encontrou em seus braços o afago da paz que sempre procurei.
Que este enfim jamais tenha fim - em mim.