Já era escuro quando adentrei a pequena sala verde-claro. Paredes descascadas e móveis velhos.
Olhos atentos me seguiam.
Passei pelas grades, disse oi pra carcereira.
_Ele está à sua espera!
Deixei a bolsa na cadeira já com o gravador na mão. Não gostava de demorar nesses lugares.
_Boa tarde Sr. Roberto. Obrigada por aceitar minha proposta!
Ele acenou com a cabeça.
_Podemos começar?
De novo o tal aceno.
Homem comum, pele morena, rosto marcado. Mãos enrugadas, corpo magro de quem pegou anos de cadeia.
Não consegui enumerar os pensamentos que me entupiram ao ouvir toda aquela vida desgraçada.
_O senhor sabe me dizer em uma palavra por que está aqui?
_Paixão - disse ele, engolindo a saliva.
_Paixão? - indaguei, incrédula, ao ouvir uma justificativa tão fraca.
Como alguém poderia matar uma mulher por quem se é apaixonado?
Nos minutos e horas que se seguiram não sei definir se o que senti foi pena, raiva, medo ou desprezo.
Na verdade, acho que foi tudo isso junto, misturado.
_Há dias eu não estava conseguindo me concentrar no trabalho. Há dias não dormia direito, andava pensativo, não lia o jornal, não passeava com o cachorro, não assistia futebol.
_Por causa dela?
_Não, por causa do que ela fazia em mim.
_E o que ela fazia?
_Tirava a minha paz.
_Por isso o senhor a matou?
_Não, por isso eu a libertei.
_Como?
_A libertei do que ela estava se transformando.
_E em que ela estava se transformando?
_No que ela mais temia.
Conforme as respostas avançavam, percebi que aquela entrevista duraria mais de um dia, quiça uma semana ou um mês inteiro. As respostas abertas daquele homem e o grau do jogo psicológico que ele criava entorno de si não seriam desvendados de uma hora para outra.
_Posso voltar aqui amanhã?
_Pode, filha. Eu sabia que você iria voltar.
_Por que tem muita coisa pra contar?
_Não. Porque quando você entrou, percebi que no fundo você tem um pouco dela.
_Dela? Da Ana? - perguntei, já trêmula.
_É. Um pouco daquela mulher que nunca dorme! - respondeu, encerrando a conversa e desviando o olhar.
Saí da sala sem sentir meus pés. Havia dentro de mim um pouco de Ana, meu Deus!
Havia um pouco da mulher que nunca dorme, da mulher que conquistava, da mulher que morria aos poucos. Havia sim um pouco de Ana, e eu sabia disso quando o encarei naquele prédio frio.
Agora era segurar a ansiedade e voltar no outro dia para ouvir a história do Roberto, que sem querer, quem sabe, se misturava à minha história, porque cada linha que escrevemos em nosso livro conta mais que um personagem, um pouco do nosso próprio espelho.