Pedaços de mundo


Encolhido e assustado, o menino franzino chorava baixinho.
Nas mãos, marcas do açoite. Trazia consigo a memória de um passado.
Não veio em navio negreiro, não senhor, muito embora ainda sentisse na carne o preconceito que fizera dele uma coisa, subjugado e condenado sem direito a defesa.
Defesa que desconhece os sem nome, sem rosto. Ninguém quer saber quem é, de onde vem. 
Menino que estampa a esperança da igualdade, ainda longe. 
Menina branca que se apaixona. 
Ela não tinha culpa da criação racista que tivera, à contragosto, já que lutara contra ela.
Não sentiu pena ao se abaixar para ajudá-lo. Poderia ser ela.
Branco e negro se misturaram. Feijão com arroz.
O que nos faz melhores é a nossa própria arrogância. 
Animais ferozes defendendo o especismo, separando uns aos outros por tons de pele que se desgastam com o tempo.  
Brancos, negros, pardos. Racionais, irracionais. Pedaços de um mundo, não o umbigo dele.
Já não se sonha mais com liberdade, pois nunca estaremos libertos. Agora o sonho soa um pouco menor - embora altamente grandioso - respeito.