Balões amarelos


Após quase sete horas de estrada, estava de volta ao último sítio da estrada de chão.
A porteira continuava ali, embora descascada pelos anos.
A grama estava alta, o pasto meio seco, as flores descuidadas. A terra era a mesma, mas modificara muito depois do último inverno. Falta dele, certamente.
Deixou as malas no quarto empoeirado e saiu para andar, como fazia quando criança. Passou pelo pé de embu, pela mangueira, pela velha casa de madeira. Passou pelo tempo.
Sentou perto do lago onde pescava girinos pensando que eram peixes. Olhou o antigo bosque dos eucaliptos, hoje só mais um pasto amarelado.
Apesar da saudade, era bom estar ali.
Respirou fundo, sugando o ar o máximo que podia, enchendo os pulmões. 
O sol estava se pondo. Ao fundo, o radinho de pilha tocava a Ave Maria enquanto seu tio tirava leite das vacas. Tanta coisa igual. 
Conseguiu sentir a dor no pescoço do dia em que a abelha a picou. Conseguiu relembrar as inúmeras comidas de barro, as divertidas caçadas de gato-mia, os inocentes roubos de jabuticaba.
Nunca havia morado lá, mas nunca se sentia tão em casa. 
Sentiu falta do Antônio, dos seus dois Antônios. O coração apertou.
É, era chegada a hora de esperar a noite chegar.

(...)

Era Dia de Reis. Não sabia ao certo o que era isso, que tanto falavam durante o dia. Foi dormir.
Acordou com uma cantoria alta, fitas coloridas hasteadas e pessoas estranhas vestidas com roupas igualmente estranhas. Nunca chorou tanto. Nunca sentiu tanto medo.
- Não chora, menina, é Dia de Reis!, disse a avó, colocando em suas mãos três lindos balões amarelos.
Hoje, já adulta, a qualquer sinal de medo ou choro, pensa o mesmo: "não chora menina, é Dia de Reis", e toma em suas mãos os mesmos balões amarelos de sua infância, ainda que seja somente ali, em sua imaginação.