A menina que respirava


Debaixo da lataria amassada, a menina ainda respirava. 
Tudo ao seu lado estava destruído, seus braços não lhe obedeciam, suas pernas sangravam e sua cabeça latejava, mas, para sua alegria, ainda respirava.
Nos minutos que sucederam a única coisa que lhe importava não eram os números na conta bancária, nem o carro que ainda estava pagando, tampouco o sapato novo que calçava - o ar que entrava em seus pulmões, fazendo com que sua barriga se mexesse, era agora tudo aquilo que precisava. 
- Apenas respire, repetia a si mesma.
Amava sua família, amava o namorado, amava o cachorro, o papagaio, os amigos. Mas ali, naquele chão, percebeu que o amor que sentia pela própria vida era maior, quase santo.
Agradeceu, rezou depois de anos sem rezar, reconhecendo a grandeza do terço pendurado por sua mãe no retrovisor. Ao lembrar, um sorriso imperceptível se fez em seus lábios.
Toda a bagunça se organizaria, todas as feridas cicatrizariam e conquistaria novamente tudo que havia perdido - bastava que esse gesto tão automático acontecesse sem cessar.
(...)
Respire, menina, respire.