Quem vai virar o jogo


O barulho era grande demais para o tamanho do copo caído no chão. Pedaços de vidro que, de tão miúdos, infiltravam na pele e cortavam mais que a carne.
Com a pá pegou cada vidrinho espalhado, mas não colou. Nunca cola.
O sono começava a apertar e o cansaço a levava para um estado de consciência particular. Não mais a interessava suas inúmeras teorias, tampouco as lembranças ultrapassadas de si mesma.
Ali era seu refúgio, suas palavras, o ventre em que concebia sua própria criação - seu texto.
Não sabia qual valor exato valia, se valia. Tudo parecia-lhe tão secundário.
No vazio se completava, e era nele que ausentes se encontravam. 
Não conseguia achar a resposta. Pra que?
Caminhava descalça quando cortou o pé. Sangrando, pôs-se a andar até a poltrona, marcando de vermelho seu caminho. Por ora sabia que as manchas a traziam de volta à dor, mas em breve, com a virada do jogo, sua cicatriz conduziria ao êxtase do xeque-mate. 
Não, não estava controlando seu amor, apenas adiava, premeditadamente, seu prazer.