Pétalas desbotadas


Ela lavou as mãos e foi para o quarto. Em cima da cama, pílulas espalhadas e uma garrafinha de água.
Na mesinha de cabeceira uma velha foto, um livro e uma rosa vermelha murcha. 
Não se sentia feliz, não se sentia triste. 
Antes de fazer o que queria, decidiu terminar de ler o livro. Estava a poucas páginas do fim e ansiava por sanar a curiosidade de saber o desfecho dos personagens. 
Sentou no puff, acomodou-se de maneira que suas pernas estivessem esticadas e pôs-se a ler. Acabou rapidamente, devorando as palavras com costumeira facilidade. Colocou o livro de volta à mesinha e ficou por alguns minutos pensando na história. Seria tão mais fácil se a vida fosse um livro, tão melhor saber quem vai estar com você quando as páginas chegarem ao epílogo. Tampouco, sabia apenas que estava no prólogo de sua própria literatura, e isso a cansava demasiadamente. Não tinha paciência para esperar e a angústia de não ter certeza a deixava irritada - por este motivo providenciara as pílulas.
Queria dormir enquanto tudo se encaixava, enquanto todas as coisas tomavam forma, todas as pessoas se decidiam e escolhiam seu rumo. Quando acordasse, tudo estaria no jeito certo e ela não teria mais trabalho em observar, mudar, lutar.
Imaginava que, em seu sono, teria a calma que lhe faltava, a doçura que lhe escapava por entre os dedos com a falta de tempo do dia a dia. 
Quando ia colocar os comprimidos na boca, bateram-lhe à porta.
- Quem é? disse, impaciente.
- Sou eu. Abra! 
Contrariada pela interrupção de seus planos, mas atraída pelo amor que sentia pela mãe, abriu.
- O que está fazendo?
- Tentando ler meu livro! respondeu, ansiosa.
- Pois venha logo. O jantar já está na mesa!
Por enquanto era preciso adiar seus planos. Estava com fome. 
- Já vou! disse, enquanto escondia as pílulas embaixo do cobertor e trancava a porta.


[Uma decisão cabe dentro de um segundo, dentro de um copo d'água, dentro de um segredo. Uma decisão pode mudar tudo, pode não mudar nada, ou pode abdicar das escolhas. Mas para decidir é preciso coragem, é preciso inflar o peito de ar e ir à caminho do desconhecido. Uma decisão não é confortável, é um pulo no escuro, muito além do que se vê]