A esquina em branco

Fazia um leve frio à noite, típico de inverno, e ela pegou o casaco. Sentou no banco do ônibus, ajeitou seu corpo de maneira que suas pernas quase não alcançavam o chão, como era de costume, e contemplou a janela. 
A cidade nesses dias escurecia depressa e as luzes dos carros parados no trânsito a embalavam por um caminho sem volta.
(...)
Há dias estava ansiosa. Faltava pouco tempo para sua primeira apresentação e não se achava boa o suficiente para ser aplaudida. Não queria decepcionar seu pai, então pegou as sapatilhas escondido da mãe, vestiu o collant e esticou os braços para conseguir ligar o rádio. 
A música suavemente a fazia deslizar pela sala, rodopiando em seus pequeninos pés com toda graça. Uma menina. 
(...)
O mate-com-leite não estava tão forte, como gostava.Talvez devesse ter pedido o adicional de leite em pó, pensou. 
Ao contrário da leveza da bebida, ele a olhava firme, sem disfarces. Ela, por sua vez, ora encarava seus olhos, ora baixava a cabeça, corada.
Durante a tarde escrevera pequenas frases em um bloco de anotações tentando lhe mostrar a grandeza de seu mundo.
Sabia que precisava ir, mas esperou. Ele levantou, pagou a conta e disse até amanhã. Deu-lhe um beijo no rosto na esquina e ela caminhou pela rua sem saber para onde ir. 
O hoje já a dominava e chegar em casa nunca mais seria a mesma coisa. 
É, havia se apaixonado. Uma mulher. 
















[No som do piano e no vento. Nas batidas de seu coração, na saudade e na fé. Na oração em silêncio, e em tudo ao seu redor]