Pietra e a noite


Não precisava mais provar. Já não fazia questão de ser amada.
Apanhou as malas e as colocou no carro, junto com sua caixa de fotos, seu pen-drive, sua garrafinha de tequila. Fez carinho na cachorra e partiu.
Para uma nova vida, ou, para a velha vida - aquela que sempre sonhou.
Partiu à procura de suas próprias respostas porque o mundo andava antigo demais, cheio de indagações pré formuladas e soluções sem fundamento.
Deixou na mesa um bilhete:
"Vou pra onde haja música; música que me faça dançar. Para onde tiver silêncio, pensamento, razão. Medos, lições e paz".
A mãe não entendeu, tampouco o pai. O namorado achou que tinha surtado, já os poucos amigos não estranharam.
Quando estava longe, quando só se ouvia o pulsar de suas veias, soube que fez a escolha certa.
O cheiro da estrada lhe era mais familiar que a comodidade de estar ali, acordando e dormindo com a sensação dos dias sempre iguais.
Pietra estava mesmo decidida. Nada mais a prendia em casa, e a impressão de que já ia tarde a tornava dona da situação. Acendeu um cigarro, colocou Chico Buarque no rádio e esqueceu.
Esqueceu suas mágoas, suas falhas, suas perdas. Esqueceu seu velho hábito de tocar o chão com a ponta dos pés e a sombra das brigas na parede.
Só lembrou de uma coisa quando escureceu: nunca mais veria a cor da solidão acompanhada.