Existem mundos paralelos. Mundos pelos quais às vezes passamos por acaso, em uma fase, outros, sabemos existir, mas os ignoramos, e finalmente, aqueles que estão sempre ali, prontos para serem expostos, assumidos.
Carlota era assim, feita ao meio, dividida sempre entre seus dois modos de ser.
Quando um estava à flor da pele, o outro se reprimia, e vice-versa.
Escondida de sua totalidade, sentia-se como parte da história - um desfecho sem começo, um começo sem fim.
Mas Carlota não só de ambiguidade se compunha. Era também muito coerente consigo, e com seus inúmeros pensamentos insistentes.
Diversidade, consistência, absorção. Calmamente explodia em seus nervos, nervosamente respirava sua calma.
Acordava cedo todos os dias, trabalhava, fazia doações filantrópicas. Pagava impostos, se divertia com os amigos e quase nunca ligava a tv de casa. Mas, o que mais?
O mais era por vezes seu maior conflito, porque para ela, era muito além do existir. E então, antes de dormir ela assistia a traillers de filmes pessoais e imaginários, construídos em seus roteiros mais internos.
Escondia segredos inarráveis, apreciava o que não podia apreciar e queria escapar por alguns minutos do que lhe era correto.
Silenciosamente, a menina amava, e por que não, o que lhe fazia mal - e era ele quem dava o melhor de si: seu pior.
É, nem tudo que parece ruim pode, de fato, ser apagado pelo bom.
A menina Carlota docemente passeava por entre os malefícios de viver seus dois mundos. Contemplava sua história, tecida entre tantos erros, e orgulhava-se das feridas abertas. Em momento algum sonhava com a felicidade, pura utopia de quem não entende a complexidade dos sentimentos. Má? E quem não era?