Quando é preciso partir


Chegou em casa como quem caiu da mudança. Olhos amedrontados, fome de carinho, frio na barriguinha peluda.
Ganhou casa, comida e roupa lavada.
Doou muito mais do que recebeu.
Trouxe a alegria de volta - aquela já quase esquecida por uma perda.
Noites de chorinho fino, dias de passeios na rua. Com seu bonezinho vermelho, comemorou o Natal. Sete.
O doce garoto vai embora. Anjos, aí vai ele!
Dentes afiados, mordida que vai fazer falta - muita falta.
Nó na garganta.
Quem dera ser Deus!
Quem decide a hora? Quem decide quando?
Nada explica, nada apaga, nada substitui.
Meu anjo de quatro patas, esteja em paz!

(...)

Já dancei com ele no colo. Já o vesti de pijama de bichinho. Já chorei com ele ao meu lado.
Hoje, foi a última vez que limpei os olhos secos por um distúrbio no canal da lágrima. A última vez que pinguei o colírio e ele ficou quietinho.
Quando voltar pra casa, ele não vai me receber no portão, como sempre fez.
Aquela caminha azul, aqueles ossinhos de leite, as duas árvores que ele visitava no portão.
A rua não vai mais ter o mesmo sentido.
Não vou mais brigar porque fez xixi na parede, nem porque quer morder o mundo todo.
Não é um cachorro, é um amigo.
Não é a tristeza, é a saudade.