Serenidade (ou algo que o valha)


Fios de cabelo no chão, amontoados como se estivessem com frio, com medo.
Mãos frias e amareladas, dentes fracos, olhar forte.
Ultimamente me sentia tão firme que não sabia se era uma espécie de presságio ou aproveitamento da vida. Acordei decidida a cortar o cabelo.
Décima sessão de quimioterapia e o mundo me parecia menor do que quando era criança. Talvez porque conforme o tempo passe, nos mostre o quão inútil é querer fazer tudo ao mesmo tempo.
E ele, o passar do relógio, era o que mais ansiava e me preocupava.
Olhei à minha volta - espelhos. Quis ficar sozinha. Eu, meus pensamentos, sentimentos, marcas, perdas e vitórias.
Lembrei do tempo da faculdade, dos amigos, dos textos. Do amor, do brilho dos olhos cor de mel dele, das brigas cheias de choro, das voltas cheias de alegria. Lembrei da família dando apoio a qualquer problema, dos dilemas, das dores psicossomáticas da adolescência, da realidade dos sonhos acordados num estalo, dos dedos dormentes, da coleção de conchas do mar.
Era a primeira vez que precisava de mim - era a primeira vez que me recolhia aos meus conselhos, minhas próprias conclusões e desejos.
Resolvi experimentar ser eu mesma, assim, só pra variar.
Resolvi acordar da sensação de que podem decidir por mim e me enganar achando que isso é proteção.
Agora eu sou o centro do meu mundo.
Levantei daquela cadeira e pude sentir a leveza - não somente dos ombros sem o peso do cabelo - mas de mim mesma sem o peso das opções que a partir de agora eu faria sem duvidar ou me arrepender.
E então pude crer na cura e acreditar que realmente é isso, o que chamam de serenidade.