Quando se descobre a fé


Rodou diversas vezes na cama, mas nada do sono aparecer.
Levantou, abriu a geladeira, tomou um copo d'água.
Olhou para a sala de estar vazia e ficou um bom tempo ali, contemplando as luzes da árvore de natal.
Não era tristeza, não era vazio. O que sentia não tinha nome.
Sua insônia - velha companheira - voltara a atacar assim, de repente, e nenhum daqueles calmantes antigos que conhecia bem fazia mais efeito.
Mas não reclamava - até gostava do silêncio da madrugada e da paz que ele gerava.
Pensou nela.
Na sua alegria festiva, no seu sorriso largo, no seu jeito educado.
Temeu que fosse perdê-la.
Ela estava tão frágil agora - dentro daquele quarto de hospital.
Mas não queria pensar nisso, afinal, aquele era um momento de espera, e não de angústia.
Às vésperas do nascimento de seu primeiro filho, ansiava para que viesse ao mundo, já sem os riscos de uma gravidez complicada.
Dois dias - era o que separava a procupação da felicidade - e ele haveria de ser forte, como ela.
Em meio aos seus devaneios, ouviu uma música suave e baixinha entrar pelas paredes do apartamento. Foi ao quarto do bebê. O móbile disparara sozinho.
Quis abraçar a mulher, acariciar sua barriga pontuda, cantar canções de ninar ao filho que se preparava para nascer.
Percebeu que aquilo tudo era o que lhe completava, e não o cargo de executivo, o alto salário e o carro importado na garagem.
Percebeu que estava ali, humildemente rezando. E que a fé - essa fé sem nome, sem rosto, sem intenção, era tudo que tinha de mais valioso.
Abraçado a um urso de pelúcia branco, adormeceu.
Acordou com o telefone tocando.
_ José?
_ Sim!
_ Precisamos que venha depressa ao hospital! Começaremos o trabalho de parto às nove!
Trocou de roupa em um salto e saiu disparadamente pelas ruas da cidade - ainda a tempo de beijar o rosto de Rose, lhe desejar boa sorte e dizer com carinho "estou ao seu lado". A tempo de vê-la sorrir e chorar com o choro do bebê e a tempo de ver aquele pedacinho de gente todo enrugado em seus braços.
Ao final daquele mesmo dia, já não era mais o José de antes.
Talvez a magia das luzes de natal o tenham afetado e assim, o tenham feito mais homem, mais humano, mais perto de Deus.