Bailarina?


_ Mãe, e seu eu fosse bailarina?
_ Não filha, você não teria futuro!
_ E se eu fosse jornalista?
_ Ah, aí talvez. Você escreve bem!

Assim se fez.

[anos depois - mesa de bar - cena única]

_Senta-mi-ei aqui entre vós, caros colegas de profissão, tão desvairados quanto eu, para que possamos juntos, mais uma vez, dialogar sobre a existência, conservação e desgraça do mundo!
_ Ah, sinta-se à vontade! Estávamos justamente falando sobre isso: desgraça!
_ E qual a rompante da vez?
_ Salário! Ou melhor, o que dizem ser um!
_ Ah sei, aquela mixaria que cai na minha conta todo mês?
_ Exatamente! E também sobre a porcaria daquele diploma que preguei na parede só pra me lembrar que gastei dinheiro quatro anos à toa!
_ Eu preferi nem retirar da faculdade! Jornalista não precisa ter diploma mesmo! E pensar que queria ser bailarina...
(lembranças)
_ Jura? E por que não foi?
_ Eu não teria futuro!
_ Hahahahaha!

(cartelas de remédio para dormir - insônia - mal de quem pensa demais, de quem escreve no silêncio do quarto, por entre os pensamentos que encontram a paz na solidão da madrugada)

[e o que se tem]

*As razões que nos levam a uma escolha às vezes se perdem quando não encontramos um certo "reconhecimento" esperado ou desejado. Ser uma jornalista realizada não seria exatamente aparecer como âncora do telejornal mais assistido do país. Realização é outra coisa. É olhar um céu nublado e ter uma idéia de texto que se faz fácil, saindo pelos dedos na primeira oportunidade de atingir o teclado.

Sim, poderia ter sido bailarina. Todos poderíamos ter sido/ feito outra coisa. Com sucesso? Nunca saberemos.

Escolhi, errei, acertei. Me arrependi, voltei atrás, mantive minha opinião. Ora por vontade, ora por falta de opção, ora por "vai ser melhor assim". Mas, essas marcas, infinitas, bonitas, sangrentas ou cicatrizadas, são pedaços - ou, a melhor parte de mim.

A essência é o que faz valer a pena e intensidade é a lei da memória. Para se tornar inesquecível, o caminho é exatamente esse: optar por aquilo que se é - a verdade que supera a conveniência.