Tenho medo de esquecer o rosto dele. Medo de deixar sair da memória a importância dos traços marcados da idade.
Queria escrever antes que o relógio apontasse meia-noite. Uma forma de eternizar a saudade de um dia só, um dia incomum.
E desejei - como desejei - que os ponteiros regredissem. Mas eles não regressam nunca.
Não queria ter saído chorando - queria ter ficado mais tempo, mas não consegui.
Talvez ouvisse mais histórias - aquelas que só ele sabia contar - de um tempo em que as lembranças eram fatos saídos do forno, ainda quentinhos por uma época em que se transpirava integridade. E ele soube - e como soube - usá-la como devia.
O espanhol - meu espanhol - nosso. De gestos grandes e palavras pequenas.
A lembrança fica; a saudade também. Ficam as boinas, os banquinhos, as coxinhas, o time, o rádio em cima da mesa.
Se pudesse, daria a mão ao atravessar a rua. Se soubesse, tiraria uma foto abraçada.
Fotos para guardar em caixas aquilo que já temos no coração.
E que a oração silenciosa que faço, traga luz. Esteja em paz.
"Brilha onde estiver
Faz da lágrima o sangue que nos deixa de pé"...