O grito

Um grito rompeu a noite fria e escura.
Um grito de dor.
Assustada, ela olhava o sangue escorrendo por entre suas pernas e a barriga baixa cada vez mais pesada, sem saber o que fazer.
Não tinha mais tempo.
Pegou toalhas brancas e deitou-se na cama, imitando as cenas dos filmes que assistira.
Mas agora não era um filme, era sua vida. Dela e a do bebê.
Respirou com profundidade e apanhou o telefone.
_Alô!
_Por favor, preciso de um médico urgente!
_Calma senhora!
_Calma? Estou em trabalho de parto!
Após dar as cordenadas, tentou tranquilizar a respiração e a si mesma até a chegada da ambulância.
Os minutos pareciam amostras da eternidade e a dor apenas aumentava.
Segurou as lágrimas - tinha de ser forte.
Passava a mão na barriga e fingia estancar o nervoso.
A porta se abriu num empurrão. Paramédicos entraram e subiam as escadas quando ouviram.
Pararam e se entreolharam ali, nos degraus.
Um choro de bebê.
Assim Cecília veio ao mundo, de repente.
E tão mais que de repente, soube que para estar viva é preciso muito mais que desespero. É preciso sabedoria e coragem.
Nascer não é apenas entrar em ação, mas se responsabilizar por tudo que se fará depois. É arcar com as consequências de um destino, ansiar pela construção dos sonhos, se esforçar para ser aquilo que esperam que seja e fazer o melhor que pode.

“Não é a criança que vem ao mundo, mas sim o mundo que vem para a criança. Nascer é receber de presente o mundo inteiro”.