O piano tocou sozinho aquela noite.
As teclas apertavam-se uma a uma e a música saia das sombras, do chão.
Marcas nas paredes. Ele ali, sentado no sofá.
Livros espalhados, folhas de papel distribuídas pelos cômodos, cacos de vidro. Gotas de sangue no tapete da sala.
E ele ali.
Não falava, não gesticulava, não se mexia. Olhos parados, pensamento inerte.
Ainda era possível sentir o perfume doce no ar e no canto da sala, a gata assustada tentava se acomodar entre a bagunça. Emitia miados agudos, acompanhando o som.
As teclas apertavam-se uma a uma e a música saia das sombras, do chão.
Marcas nas paredes. Ele ali, sentado no sofá.
Livros espalhados, folhas de papel distribuídas pelos cômodos, cacos de vidro. Gotas de sangue no tapete da sala.
E ele ali.
Não falava, não gesticulava, não se mexia. Olhos parados, pensamento inerte.
Ainda era possível sentir o perfume doce no ar e no canto da sala, a gata assustada tentava se acomodar entre a bagunça. Emitia miados agudos, acompanhando o som.
De tudo, o quadro era o único a permanecer no lugar. Metade colorido, metade preto e branco.
Ela quem o havia escolhido. Fora o primeiro objeto a descer do caminhão da mudança. O comprara porque ele significava os modos diferentes que tinham de ver a vida. Um tão pé no chão, outro tão sonhador. O mundo cinza e o cor-de-rosa. Juntos, como haveria de ser.
O telefone tocou. Uma, duas, três vezes. O barulho estridente não parava, mas ele nem se movia. Porém, a insistência o fez atender.
Ela quem o havia escolhido. Fora o primeiro objeto a descer do caminhão da mudança. O comprara porque ele significava os modos diferentes que tinham de ver a vida. Um tão pé no chão, outro tão sonhador. O mundo cinza e o cor-de-rosa. Juntos, como haveria de ser.
O telefone tocou. Uma, duas, três vezes. O barulho estridente não parava, mas ele nem se movia. Porém, a insistência o fez atender.
_ Alô!
_ Maurício?
_ Quem é?
_ Sou eu! Sinto muito pelo que aconteceu!
Ligação perdida em um só toque no gancho.
Por um momento observou o quadro. Lembrou da alegria de menina dela ao pendurá-lo. Do jeito que ela tinha de ficar na ponta dos pés tão pequenos e do sorriso contagiante.
Uma lágrima tímida como ele escorreu.
Ainda cambaleante pelo efeito da garrafa de wisky que tomara, caminhou até o quarto. Deu um tapa no porta-retrato na cabeceira da cama e tentou dormir.
Acordou no meio da noite sendo enforcado pelo nó da gravata. Ao seu lado, encolhida como uma criança, ela adormecia.
Sentiu seu coração pular da boca de tanta felicidade e num impulso a abraçou.
Percebeu que era um travesseiro.
Essa era a primeira vez que chorava por uma mulher. A primeira vez que estava sozinho, sem saber. Apesar daquele tamanho todo, sentiu saudade do colo da mãe.
Pegou uma pedra e a apertou. Ele sabia o que representava. Foi o último presente que recebera dela. Uma simples pedra rosa.
Algum tempo depois arrumou uma nova namorada. Uns acharam natural, outros, cedo demais para quem dizia a amar tanto. Opiniões à parte, ele só queria ser feliz.
Ter os filhos que ainda não tinha, uma companhia para os filmes de domingo a tarde e um corpo ao seu lado na cama.
A outra o impressionava com sua maturidade e determinação. Mas quando se deitava, não sabia encontrar o cantinho exato de se encaixar em seu ombro como ela. Nem o dedinho levantado ao tomar o café era o mesmo.
Tudo isso ele fez questão de guardar. Organizadamente, como fazia com suas camisas, embrulhou as recordações e tratou de providenciar um lugar especial em seu guarda-roupas para guardá-las. Lá, gestos, frases, presentes, viagens, sentimentos.
Por fora, alegria e força.
Nunca ninguém soube o quanto sofreu com a perda. Ninguém ouviu seus gritos abafados.
Ele agora passeava de mãos dadas e tudo estava bem, obrigado. Mas por dentro, só ele sabia quanta falta sentia.