Telhas escritas


A barriga estava começando a incomodar. Com um pouco de dificuldade, subiu as escadinhas e entrou na sala.
Chão vermelho de cera desbotado, paredes de madeira descascadas, móveis cobertos com lençóis, cômodos vazios. Na cozinha, o velho fogão à lenha, a conhecida máquina de moer e a bacia de alumínio pendurada na parede.
O mesmo buraquinho no banheiro - sorriu ao lembrar do primo espiando quando tomava banho. 
A noite estava alta e o grilo começava a cantar - sinal de seca, dizia seu tio.
A lua e as estrelas iluminavam a escuridão - nunca em nenhum lugar do mundo tinha visto céu tão negro como aquele, o que antes despertava medo pelos contos narrados pela avó na rotineira conversa antes de dormir.
Saiu na área e pôde ver todos reunidos. O cheiro do café fresco, o riso dos primos correndo entorno do jardim, os sapos embaixo do poste prontos para apanhar os besouros, o vento soprando cheio de si, o perfume da rainha da noite. 
Colocou a mão no ventre. Sete meses de gestação e o conhecido pulsar de não saber como conduzir. 
Os anos haviam passado e ela, tão entretida andando à cavalo nos eucaliptos, não percebera. 
Agora não tinha mais como voltar à infância. Não tinha como adiar os planos, como inverter os quadros. À um passo de uma vida desconhecida, foi para a cama e adormeceu lendo os escritos das telhas de barro, enumerando em sua mente cansada os afazeres do dia seguinte.