Três comprimidos

Seis e meia da tarde, hora laranja do céu. 
Três comprimidos na mesa. Um a cada meia hora. 

Os lençóis brancos cheiravam um amaciante familiar - não da minha casa - então o busquei na memória. 
No dia das malas no carro, quando olhei para trás tudo que vi foram os travesseiros. O fiz adormecer e escrevi no espelho. 
A primeira noite de tudo resolvido era o começo de tanto a - ainda - resolver. 

Tomei o primeiro remédio. 

Stairway To Heaven começou a tocar no rádio. Lembro até da roupa. Saia preta bordada em dourado e blusa de alcinha. Salto alto fazendo barulho nos degraus, mãos frias, uma cadeira puxada e o beijo de novela renderam anos de culpa e saudade. 

Segundo remédio. 

Quatorze anos. Parece que foi ontem. 
O e-mail escrito com o português correto mostrando a alegria de acertar. O final feliz do conto de fadas que tinha tudo para terminar em BO e Linha Direta. 

Terceiro remédio. 

Sensação de cabeça girando e corpo cedendo. 
Os braços pendendo pareciam alcançar o chão, enquanto minha consciência via a luz mais clara que já imaginei. 
A calma química do orgânico que nunca conheci.