Mesmo quando


Às vezes meu espelho volta no tempo, e ele não é o mesmo que aparece na tv quando vejo as notícias. 

Às vezes celebro o doce e o amargo. Minha boca sente o gosto, e isso é tão presente em dias como esse. 

A vela que apago traz a chama que diversas vezes apaguei. Ela me relembra todos os anos quem eu sou, muito embora todos os anos também essa mesma vela é apagada por uma nova pessoa, tão diferente da do ano anterior. 

A menina falante da infância ainda arde com as injeções para a puberdade precoce, mas brinca com as caixinhas de isopor que traz pra casa. A adolescente que se achava estranha se encontra nos livros que lê e nas linhas que escreve. A estudante de jornalismo troca as roupas de surf pelo piercing, saias, coturnos, experimenta a noite fria com as madrugadas de rock alternativo do Matrix. A mulher que veio depois, já um pouco machucada, encontra um objetivo comum quando as datas dos RGs se unem. Desafios, superações e amor. Amor por alguém que dorme ao meu lado e amor por alguém que saiu de dentro de mim. A eles, todos os meus dias e todas as minhas cores. Todas as viagens que vieram depois, todos os lugares que nunca pensei conhecer, e todos os lugares que achamos incríveis quando os olhamos de mãos dadas. A tudo que conseguimos, a tudo que perdemos e a tudo que ainda perderemos, mas conseguiremos também nesse ciclo em que nada se repõe, mas onde tudo se renova. 

Da família que me trouxe ao mundo, os cheiros, os gostos, os risos e os choros. As brigas, as pazes e a calmaria que os anos trouxeram. A mesa com cinco lugares. A irmã que mudou tudo e a saudade que ficou. As crianças que nasceram, as crianças que matamos, as crianças que guardamos dentro de nós, e as que demos a luz. Às pequenas pernas que hoje correm no mesmo quintal, e aos pais que deram lugar aos avós. Ao entendimento e a gratidão que perdoam as mágoas e adequam o que já fomos para o que juntos construímos e que mais tarde nos sustentaram - que nos sustentam, que nos sustentará. 

Dormi aos quinze anos e acordei agora. Passei pelo tempo ou foi ele quem passou por mim com o relógio na mão. Corrí, como uma Alice assustada, atrás dele, sem saber que na verdade o atraso só estava dentro de mim. Atrasei minhas horas pra que passassem devagar, mas não se manda nos relógios como se manda nas escolhas. Que as minhas sejam justas e que a menina fique satisfeita. 

Que eu fique bem. Que eu sempre fique bem.  

"That I would be good"