Sopro da noite


Desabotoei o soutien, dizem que faz mal dormir com ele. Coloquei a camisola de seda verde escuro, aquela de alça de renda e decote nas costas. 
Soltei o cabelo, antes preso em um coque, e ele desceu até a cintura; cresceu com os meses. 
Como todas as noites, passei o creme de rosto com cheiro de flores, e deitei na cama. 
Não tinha sono. Por horas virei entre os lençóis, entrelaçando as pernas, tentando não pensar em nada. 
Os olhos ardiam, mas não conseguia dormir. Ardia também alguma fagulha invisível dentro de mim, evitada, esquecida, sufocada, mas não menos existente. 
Acariciava um pé ao outro, fazendo amor com meu corpo, entorpecida pela noite escura. Seu rosto me aparecia. 
Suspiro sozinha. Não divido as partículas do ar que respiro. 
Gosto de liberdade. Da tristeza bonita que contém um corpo só na cama. Da poesia do bater as portas.
Você não entende nada. 
Você sente. Sente, sangra, deseja e ama. E eu sinto, sangro, desejo e amo. 
O sono vem, me leva pra longe. Sopro frio que beija minha boca como o ensaio da morte que um dia há de chegar. Um dia, não agora.
Enquanto isso vôo pelos sonhos, e eles me levam como um passo suave de ballet. 
(...)