Quando não dá tempo


Há vinte anos, quando queria pensar, ou lembrar, ia sempre ao mesmo lugar.
A mesma rua estreita com calçada cinza, a mesma árvore, o mesmo portão de madeira.
Há vinte anos não via seus olhos, nem seu sorriso tímido, sua voz sempre tão rouca.
Em um desses momentos em que me sentia sozinho e queria estar ali, a vi sentada. 
Parecia mentira. 
Nossa ligação sempre pareceu mentira. 
O mesmo jeito, mesmo cabelo, mesmos olhos solitários, ali, tão perto de mim, na sarjeta de uma rua qualquer. 
Parei o carro. 
Ela foi olhando aos poucos. Pneus, lataria, vidro, retrovisor. 
Parecia adivinhar. Ela sempre soube. 
Quando percebi estávamos os dois, nada mais havia, olhando nos olhos como antes. 
Esqueci de mim. Esqueci de tudo. 
Ela sorriu. O mesmo sorriso, o mesmo brilho. 
Passei a mão no rosto. Devia ter feito a barba. 
Não dá tempo. 
Não dá tempo pra barba, pro trânsito, pro impossível. 
Não acabou. 
E o que não tem tempo, o que nunca envelhece, é o mesmo de antes, o amor.