Nascidos do chão


Pés descalços na areia. Era o último dia do ano.
Deixou a bolsa no chão, junto ao par de chinelos novos, e caminhou até o mar.
Estava fazendo quase quarenta graus, seu corpo aquecia a cada segundo e sua vista ficava cada vez mais embaralhada. 
Sentia a mesma atração pelas conchas de quando era criança, então, irresistivelmente, apanhou algumas e continuou seu trajeto.
O mar estava calmo - nem parecia o mesmo que vivera tantas tempestades ao longo do ano. Ela também.
Tocou a água salgada com as mãos, as levou até o rosto e viu ir embora o mal estar. Abraçada por Iemanjá, cobriu-se de energia enquanto pernas, braços e todo resto de pele vestia-se de sol, vestia-se de paz. 
Agradeceu, reconheceu - teceu suas orações laicas e ao mesmo tempo tão cheias de fé. Uma fé sem nome.
Renovada, apagou 365 dias para que outros 365 pudessem nascer sem pressão, livres, como devem ser.
Como era bom ser só uma menina descalça em busca de conchas na areia. Como era bom trazer aqueles pequenos pedaços para casa, pequenas fontes de imensidão, pequenos trechos de uma poesia palpável que é de graça e estão ali, prontos para serem levados, ou devolvidos, quem sabe, ao oceano de descobertas, medos e desejos. 
Agora era tudo novo, de novo.