Hora de voar


Estufou o peito e deu um passo a frente. Um passo mais longe de casa, mais perto do precipício. 
Não quis olhar pra baixo para não se amedrontar, posicionou bem a cabeça, puxou o ar com toda força, pensou positivo e...
Nunca, jamais, em nenhum momento de sua velha-nova existência, pensou ver o infinito. Paisagens em tons pastéis formavam uma aquarela antes apenas vista nos filmes. Nem mesmo a força do frio de um tenebroso inverno pôde atrapalhar e, deslizando pelas nuvens, saboreou os prazeres de seu primeiro voo.
Fácil? Ah, isso não. Só ele sabia o quanto suas frágeis pernas estavam trêmulas. Só ele sentia suas penugens, ainda tão inseguras, cambalearem uma a uma em direção de seu sonho. Mas ele ia, com medo mesmo, desbravando cada pedaço do céu.
No degrau que deixara para trás, ela acompanhava com lágrimas nos olhos o rasante de seu companheiro. Dessa vez não o acompanhou, mas o motivo era justo, estavam construindo o ninho. Com o coração apertado, teve medo dele cair, mas o protegeu da queda com suas orações silenciosas. Abrindo, então, este mesmo coração, o apoiava em suas aventuras para que a liberdade o conduzisse por terras distantes da dela. Terras que mostrariam àquele passarinho graúdo que o mundo é muito maior que a nossa árvore, mas nada, em nenhum lugar do planeta, é capaz de nos aquecer tão bem quanto um abraço. 
Ansiosos, aproveitavam cada qual à sua maneira os afazeres da criação de uma nova vida, porque, no fundo, a gente sempre sabe quando é hora de voar e quando é hora de voltar pra casa.