As viagens de Soninha


Soninha, aquela que adora assistir tv, também adora viajar. Em seu facebook, álbuns repletos de fotos dos lugares que vai recebem curtidas e comentários, enquanto narra suas aventuras internacionais.
Não, ela não gosta de viajar pelo Brasil. O motivo, segundo ela, é querer conhecer novas culturas, treinar seu inglês. 
Mas, com isso, Soninha perde o melhor de seu país, o melhor de seu próprio idioma. Preocupada em falar com excelência a língua mundial padrão, comete erros de gramática e mal consegue acentuar as palavras que aprendeu desde a infância.
- Pra que falar português?, defende, empilhando livros em cima da mesinha da sala. Ler, nunca leu nenhum, mas acha chique tê-los à mostra. 
Deslumbrada, tem como favorito os Estados Unidos da América. Compras à preço de banana e segurança são as qualidades enumeradas em sua escolha. O que ela ainda não sabe é que lá o comércio de armas é legal, tornando possível encontrar revólveres em carrinhos de supermercados e mãos de crianças em escolas.
- Bom mesmo é o Obama!, afirma, ainda que nunca tenha morado por lá. 
Apesar dos pesares, e de todo desconforto em viver em um lugar de terceiro mundo, Soninha não pensa em se mudar de país, mas compartilha dezenas de imagens pejorativas sobre ele em sua timeline. Sempre ataca políticos, artistas e meios de comunicação pela falta de zelo com seu povo, porém, não conhece nem ajuda nenhuma ong, orfanato, meio de voluntariado.
- Isso é Brasil!, escreve indignada em seu perfil toda vez que vê alguma notícia citada, assim, sem nem saber a fonte. 
Dias atrás, recebeu o convite de casamento de uma amiga, ao qual estranhou o fato de não ser realizado em uma igreja. Para ela, casamento de verdade tem que ter altar, padre e sermão. Considera-se católica, mas frequenta apenas missas de sétimo dia, cerimônias e batizados. Fora o vestido branco, que não abre mão, por mais que tenha tido um filho antes do casamento. Tempos modernos - justifica. 
Soninha, amorosa que é, leva seu cachorrinho todos os dias para passear na paz de seu condomínio de classe média. Ao encontrar uma vizinha com o animal de estimação, pergunta: Qual a raça?
Chegando em casa, recebe o marido com carinho. Ele, por sua vez, ouve seus contos e comentários com admiração suficiente para concordar com cada palavra de sua bela esposa, máximo de mulher que poderia ter. 
Assistem juntos ao Jornal Nacional e Salve Jorge, enquanto criticam a falta de informação e futilidade da população. Abominam a periferia, esquecendo que foram de lá que vieram. Comparecem a todos os eventos sociais dos novos amigos, mas não podem visitar a mãe em seu aniversário. - Depois damos uma passada lá! 
E é assim, dentro dos vidros de seu espaço gourmet, que Soninha se refugia. Não da violência, nem tampouco dos miseráveis que pedem esmolas nos faróis, mas de sua própria culpa na contribuição de uma mentalidade retrógrada, desigual e contraditória, onde o pedigree é mais importante que a qualidade de seu  cérebro e de seu coração. (afinal, eles não causariam inveja nas ex colegas de colégio)