Modernas bonecas

“Os olhos mentem dia e noite a dor da gente”

Ser boneca. Pintar o rosto de forma alegre, sair pela rua em passos largos e sorrir para cada pessoa que passar. Por entre pensamentos consumistas, sentir o tal acréscimo de estima por si mesma, como diz a frase mais bonita que já li em um romance:
“(...) Tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante, onde cada hora tinha o seu encanto diferente, cada passo conduzia a um êxtase, e a alma se cobria de um luxo radioso de sensações!”

Nunca consegui ser uma delas. Ser boneca pode parecer bonito, mas é fútil. Ninguém é feliz o tempo todo, tampouco forte. Todo mundo fica triste, gripado, inciumado, revoltado, bravo. Todo mundo fica feio quando chora, quando acorda inchado, quando não penteia o cabelo. Ninguém é perfeito, mas às vezes nos esquecemos disso e exigimos demais de nós mesmos.
Estive pensando...
Engraçado como nunca encontrei em alguém aquilo que tanto admiro. Como me disseram uma vez: “Quem não sabe o que procura, não reconhece quando encontra”. Mais engraçado ainda é lembrar que quem me disse essa frase certamente nunca mais me dirá novamente. Mais uma daquelas pessoas que passam por nossas vidas assim, despretensiosamente, talvez para trazer alguma lição, e eu acredito que esta seria exatamente o sentido da frase acima.
Citações. De tudo que lia, desde criança, costumava demarcar com minha caneta marca texto as que considerava “de impacto”. As que mais que chamavam a atenção, as que um dia gostaria de dizer a alguém, as que gostaria de ouvir. Frases inteligentes, frases sensatas, frases românticas, frases duras.
Esse texto na verdade não será meu, mas de todos eles, ou parte, claro, pois são muitos.
Oscar Wilde sempre foi minha citação preferida. Drummond, meu eterno poeta. Clarice Lispector, meu sonho de consumo. Fernanda Young, minha atualidade. Karl Marx, a inteligência escrevendo sobre a sociedade. Arnaldo Jabor, meu colega mais engraçado. Eça de Queiroz, minha doçura romântica. E por aí vai.
Eles se tornaram amigos tão íntimos que me pego em surtos pseudo-cult’s tentando imitá-los durante a madrugada, velha conhecida das inspirações. Não me lembro quem disse isso, mas “é à noite que as palavras se fazem”.
Espetacular a maneira de como a vida imita a arte, ou, a arte imita a vida. Espetacular o dom de tornar encantadora uma coisa tão dolorosa, pois normalmente é na tristeza que encontramos mais aptidão para escrever. Digo isso por mim e por alguns poucos que conheço.
Confesso que por vezes tentei ser uma delas, as tais bonecas. Me senti um lixo humano. Não sou, nem faço alguma questão de ser assim, superficial, apesar de saber que isso não iria me expor tanto e me causaria uma gostosa sensação de triunfo. Mas, pense: triunfamos não somente quando a nós mesmos? Pela resposta afirmativa, desisto da idéia e volto a ser a mesma de antes, dos olhos brilhantes de felicidade ou lacrimejados de tristeza. Intensa em cada sentimento, como sempre. Dramática às vezes, sinto a dor ampliada em mil vezes, mas reconheço um bom momento e o guardo eternamente em cada detalhe, o tornando motivo para um sorriso sutil no canto da boca.
Não sei como cabem tantos pensamentos simultâneos em um só cérebro. E essa maldita música que nunca cessa. Devo estar ficando louca – ou já era e apenas agora assumo de vez.
Mas até pra isso encontro uma citação, musical, aliás, da melhor banda de citações do mundo – do meu mundo – “Consegui meu equilíbrio cortejando a insanidade”.
Sozinha na sala, olho para o lado e vejo alguém. Fruto do meu fértil imaginário ou somente mais uma visão enigmática e sensitiva. Deveria mesmo freqüentar as palestras pagãs, já que me identifico tanto.
Me perco, volto ao princípio, refaço o caminho e tento outra vez. É assim sempre, e pra sempre será. Não quero ser óbvia como um ser que nasce, cresce, se reproduz e morre. Quero ser surpreendente e essa idéia me fascina. Mas ainda me sinto egoísta ao pensar assim. Se bem que, alguém pensou a mesma coisa quando não pensou em mim?
Não.
Deleto o pensamento com o apertar do dedo no teclado.
Sou um computador. Tenho memória, tenho lixeira, tenho álbuns de fotos, tenho delete. Arquivos mortos e novos, planilhas e textos. Viu?
É, tenho que admitir que entre ser uma boneca e um computador, é melhor a segunda opção, por mais que a estética não colabore.

[e assim se fez minha mais nova teoria]